Informe FreitasLeite

CVM Publica Parecer de Orientação sobre Criptoativos

OUT 2022

No dia 11 de outubro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou o Parecer de Orientação nº 40 (“Parecer de Orientação 40”), pelo qual expõe e consolida o entendimento da autarquia sobre os critérios para o enquadramento de determinados criptoativos como valores mobiliários e os decorrentes desdobramentos regulatórios, delineando os limites de atuação do regulador e a forma pela qual a CVM poderá exercer suas atribuições para normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais.

Segundo a autarquia, o Parecer de Orientação 40 tem por objetivo garantir maior previsibilidade e segurança, bem como fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento dos criptoativos, reforçando, contudo, que a CVM está atenta e que adotará as medidas cabíveis, dentro das suas atribuições, para prevenir e punir eventuais violações às normas do mercado de valores mobiliários.

O Parecer de Orientação 40, ao reiterar o entendimento sobre a aplicabilidade da regulamentação ordinária do mercado de valores mobiliários aos criptoativos que assim sejam classificados, de certo modo, desincentiva o desenvolvimento de projetos fora dos ambientes de sandbox ou de dispensas específicas, uma vez que o regime geral do mercado de capitais (em especial, as normas de registro, custódia, depósito centralizado e negociação em mercados regulamentados) seria incompatível com a realidade prática e operacional dos ativos digitais, suas tecnologias e protocolos.

Por outro lado, sob um olhar mais amplo, a iniciativa concretiza a imagem que a nova gestão da CVM pretende passar ao mercado, no sentido de que está atenta e comprometida em viabilizar os anseios da indústria, procurando conciliar novos modelos de investimentos ou captação de recursos à adequada proteção do investidor e higidez do mercado, afastando de si, portanto, a pecha de ser um órgão refratário a inovações.

O Parecer de Orientação 40 não tem por intuito esgotar os debates sobre o tema, especialmente considerando que a proposta de marco legal dos ativos digitais (Projeto de Lei n° 4.401/21) ainda está em discussão no Congresso Nacional.

Elencamos abaixo os principais temas tratados no Parecer de Orientação 40.

Taxonomia dos tokens

Os criptoativos são definidos no Parecer de Orientação 40 como “ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs)” e que são usualmente representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.

Como ponto de partida para o processo de classificação dos criptoativos, são apontadas as seguintes categorias, as quais não seriam exclusivas ou estanques, podendo um criptoativo se enquadrar em uma ou mais delas, a depender de suas características:

(i) Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): são tokens que replicam funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;

(ii) Token de Utilidade (utility token): são utilizados para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e

(iii) Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis, objeto de operações de “tokenização”.

A taxonomia sugerida servirá para definição do tratamento jurídico adequado, e não tem por objetivo estabelecer uma definição taxativa de cada classificação ou, tampouco, limitar a atuação da CVM, que dependerá da análise dos casos em concreto.

Intersecções com o mercado de valores mobiliários

Em que pese as tecnologias associadas aos criptoativos e à tokeninzação não estarem, por si só, sujeitas à regulamentação da CVM, a depender da sua natureza e características, os serviços ou ativos desenvolvidos podem vir a se classificar como valor mobiliário e, consequentemente, sujeitarem-se ao regime regulatório específico, cabendo aos agentes de mercado realizar essa avaliação.

Para orientar o mercado nesse sentido, o Parecer de Orientação 40 delimita, de forma conceitual e teórica, os seguintes elementos e características que devem ser considerados para avaliar se, no caso concreto, determinado token seria, ou não, um valor mobiliário, o que restaria configurado quando tal criptoativo:

(i) For representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VII do art. 2º da Lei nº 6.385/79 (por exemplo, ações, debêntures, notas comerciais, cotas de fundos de investimento, entre outros) ou previstos na Lei nº 14.430/22 (e., certificados de recebíveis em geral);

(ii) For um derivativo, os quais são, necessariamente, caracterizados como valores mobiliários independentemente de seu ativo subjacente, conforme inciso VIII, do art. 2º da Lei nº 6.385/76; ou

(iii) Enquadra-se no conceito de contrato de investimento coletivo, com base no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76.

Nesse último caso, o enquadramento do criptoativo no conceito aberto previsto no inciso IX do art. 2º da Lei 6.385/76, que tem inspiração no chamado Howey Test (de origem norte-americana), deve passar pela avaliação das seguintes características:

(i) Investimento: aporte em dinheiro ou de bem suscetível de avaliação econômica;

(ii) Formalização: por meio de título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante, independentemente de sua natureza jurídica ou forma específica;

(iii) Caráter coletivo do investimento;

(iv) Expectativa de benefício econômico: seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração;

(v) Esforço de empreendedor ou de terceiros: benefício econômico resulta da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e

(vi) Oferta pública: esforço de captação de recursos junto à poupança popular.

Atenção especial foi dispensada às ofertas de tokens por meio da internet e sem restrição geográfica, hipótese em que o assunto deve ser avaliado, também, sob a perspectiva dos Pareceres de Orientação nº 32/05 e nº 33/05 que tratam, respectivamente, sobre (i) uso da internet em ofertas de valores mobiliários e na intermediação de operações; e (ii) intermediação de operações e oferta de valores mobiliários emitidos e admitidos à negociação em outras jurisdições.

O Parecer de Orientação 40 reitera as recomendações dos mencionados pareceres de orientação e destaca que “a utilização de língua portuguesa na oferta e no suporte ao cliente pode vir a ser considerada suficiente para caracterizar oferta pública ou intermediação de operações com valores mobiliários emitidos no exterior, inclusive derivativos.”

Caso a oferta de criptoativos seja considerada pela CVM uma oferta de valores mobiliários, a regulamentação da CVM seria, a rigor, aplicável e deveria ser observada, incluindo as normas que dispõem sobre registro, ofertas públicas de distribuição, prestação de informações periódicas, administração de mercados regulamentados, bem como depósito centralizado, custódia, escrituração e compensação e liquidação de operações.

Regime Informacional e Valorização da Transparência

O Parecer de Orientação 40 traz recomendações a serem observadas pelos agentes de mercado em relação às informações a serem veiculadas ao público-alvo e ao mercado em geral no âmbito da oferta de criptoativos que sejam classificados como valores mobiliários, entre elas, a identificação do emissor dos tokens, beneficiário dos recursos captados, e demais participantes do procedimento de oferta e seus respectivos papéis, descrição dos direitos conferidos aos titulares dos tokens, identificação clara das vantagens e desvantagens da tecnologia de registro distribuído, descrição da gestão da propriedade dos tokens, controle de origem dos recursos utilizados para aquisição de tokens, compromisso de comunicar operações suspeitas, entre outros.

 Intermediários, Fundos de Investimento e Sandbox

O Parecer de Orientação 40 orienta, ainda, que os intermediários (distribuidores) devem avaliar as potenciais repercussões das atividades envolvendo criptoativos e eventual enquadramento como valor mobiliário, caso em que devem ser observada a regulação da CVM, no que toca à negociação de valores mobiliários, incluindo realização de due diligence dos parceiros comerciais e procedimentos de suitability.

Em relação aos fundos de investimento, embora tenha sido salutar o reavivamento da discussão sobre o tema dos criptoativos depois de 4 (quatro) anos da edição dos Ofícios Circulares nº 01/2018/CVM/SIN e nº 11/2018/CVM/SIN, numa das poucas seções em que o Parecer de Orientação 40 trata de assuntos práticos (e não meramente teóricos), a CVM deixa claro que não mudou sua posição sobre a inelegibilidade do investimento direto em criptoativos por fundos de investimento constituídos no Brasil, reiterando o posicionamento manifestado em 2018.

O funcionamento de criptoativos representativos de valores mobiliários, em especial no âmbito de atividades de tokenização de valores mobiliários, já vem sendo testado pela CVM em âmbito do sandbox, nos termos da Resolução CVM nº 29/21, mediante concessão de autorizações temporárias e dispensas regulatórias. A CVM avaliará, nos limites de suas atribuições, a necessidade de regular esse novo mercado, inclusive com base nessas experiências práticas no âmbito do sandbox, bem como de atualizar as orientações até então divulgadas.

Acesse o Parecer de Orientação 40 aqui.

Para maiores informações, entre em contato com a equipe de Mercado Financeiro e de Capitais do FreitasLeite Advogados.

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